Alterações ao formato SAF-T (PT) – Portaria n.º 302/2016, de 2 de dezembro
Análise ao impacto das taxonomias publicadas no código de contas para o exercício de 2017 e respetivas parametrizações.
As empresas utilizam cada vez mais sistemas de processamento eletrónico de dados para registo dos fatos patrimoniais, nomeadamente para a faturação. Cada sistema armazena os dados em diferentes formatos, tornando difícil a análise e auditoria por parte de entidades externas.
A Portaria n.º 321-A/2007, de 26 de março, veio impor a obrigatoriedade de, a partir de 2008, os sistemas de informação exportarem os fatos contabilísticos registados nas suas bases de dados num formato legível e normalizado, baseado numa recomendação da OCDE, o ficheiro SAF- -T(PT) (Standard Audit File for Tax Purposes – Portuguese version).
Na prática, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) enriqueceu a estrutura definida pela OCDE, mantendo o nome de cada campo de informação no ficheiro e acrescentando apenas limitações aos valores que cada campo pode conter com regras específicas da realidade portuguesa, permitindo assim a interpretação automática da informação.
Vejamos o exemplo do campo tipo de documento, no caso dos documentos de faturação:
Versão OCDE | SAF-T(PT) |
---|---|
A OCDE de ne apenas que se trata de um campo de texto que deve indicar o tipo de documento de faturação. | Deve ser preenchido com: «FT» — fatura; «ND» — nota de débito; «NC» — nota de crédito; … |
Esta especificação dos valores possíveis em cada elemento do ficheiro SAF-T(PT) permitiu a interpretação dos dados e a utilização do formato (ou variantes) nos mais variados contextos, entre os quais podemos destacar:
- A comunicação da faturação à AT através do portal e-fatura;
- A reutilização da informação entre sistemas informáticos de diferentes fabricantes (como é o caso da passagem da informação do código de contas e dos lançamentos para a contabilidade TOConline);
- Importação dos dados de faturação por parte dos contabilistas e geração de lançamentos automáticos, evitando o registo manual dos documentos;
- Sistemas de auditoria para inferência de fraude através do cruzamento de dados de faturação e contabilidade.
Portaria n.º 302/2016 e a introdução da tabela de taxonomia
Apesar da informação contida em cada campo do ficheiro SAF-T(PT) estar perfeitamente identificada, até à versão 1.03_01 definida pela Portaria n.º 274/2013, de 21 de agosto, ainda não é possível a interpretação automática da informação contabilística.
Esta dificuldade deve-se fundamentalmente à impossibilidade de interpretar qual o âmbito de utilização de contas que estão desagregadas, para além da definição existente no código de contas SNC.
A Portaria n.º 302/2016, de 2 de dezembro, veio introduzir, na estrutura do SAF-T(PT), dois campos fundamentais na tabela que contém o código de contas para a interpretação da informação contabilística.
TaxonomyReference: campo que indi-ca qual o referencial de contas que foi utilizado, tendo como valores possíveis:
- “S” para códigos de contas SNC Base;
- “N” para Normas Internacionais de Contabilidade;
- “M” para códigos de contas SNC de microentidades;
- “O” para outros referenciais contabilísticos, cuja taxonomia não se encontra codificada (por exemplo, ESNL onde a interpretação das contas continua a não ser possível para além do nível definido pelo SNC).
TaxonomyCode: código de classificação da conta no referencial indicado pelo campo TaxonomyReference. Este código pode ser consultado nas tabelas descritas na própria portaria para cada um dos referenciais S e M.
O objetivo desta alteração ao SAF-T(PT) é permitir simplificar o preenchimento dos anexos A e I da IES, pelo que será necessário criar uma correspondência entre o normativo contabilístico utilizado pelo sujeito passivo e as taxonomias disponibilizadas nesta portaria.
Pela leitura da portaria não resulta claramente em quais quadros do anexo A e I veremos o preenchimento automático, ou de alguma forma simplificado, da mesma forma que não encontramos na portaria quais as taxonomias que contribuirão para o preenchimento de cada campo.
O que nos é permitido analisar neste momento é a tabela de taxonomias disponibilizada e fazer um exercício de correspondência com um plano SNC. Vamos ver alguns exemplos práticos.
Excerto do anexo II da portaria: tabela de correspondência entre taxonomia “S” e SNC Base
Conta | Descrição |
---|---|
11 | Caixa |
111 | Caixa A |
111 | Caixa B |
12 | Depósitos à ordem |
121 | Depósitos à ordem – Banco A |
122 | Depósitos à ordem – Banco B |
13 | Outros depósitos bancários |
131 | Outros depósitos bancários – Banco C |
132 | Outros depósitos bancários- Banco D |
Exemplo de uma parte do plano de contas em utilização numa entidade (Plano SNC- Base)
Taxonomy Code | Código SNC base | Descrição completa |
---|---|---|
1 | 11 | Caixa |
2 | 12 | Depósitos à ordem |
3 | 13 | Outros depósitos bancários |
Tendo em conta a tabela de taxonomias e o plano de contas do exemplo 1, o que será necessário fazer em 2017 é classificar cada uma das contas de movimento do plano que estamos a utilizar, de acordo com a taxonomia. Numa área de parametrização devemos efetuar a seguinte configuração:
Conta | Descrição | Taxonomy Code |
---|---|---|
11 | Caixa | |
111 | Caixa A | 1 |
111 | Caixa B | 1 |
12 | Depósitos à ordem | |
121 | Depósitos à ordem- Banco A | 2 |
122 | Depósitos à ordem- Banco B | 2 |
13 | Outros depósitos bancários | |
131 | Outros depósitos bancários- Banco C | 3 |
132 | Outros depósitos bancários- Banco D | 3 |
No exemplo acima não se verificam quaisquer dúvidas sobre a forma de relacionamento entre o nosso plano de contas e as taxonomias. No entanto, nem sempre este relacionamento será tão direto e simples. Vejamos o exemplo abaixo:
Excerto do anexo II da portaria: tabela de correspondência entre taxonomia “S” e SNC Base
Taxonomy Code | Código SNC base | Descrição completa |
---|---|---|
24 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes c/c |
25 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes c/c – Clientes – empresa -mãe |
26 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes c/c – Clientes – empresas subsidiárias |
27 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes c/c – Clientes – empresas associadas |
28 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes c/c – Clientes – empreendimentos conjuntos |
29 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes c/c – Clientes – outras partes relacionadas |
30 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes – títulos a receber – Clientes gerais |
31 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes – títulos a receber – Clientes – empresa -mãe |
32 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes – títulos a receber – Clientes – empresas subsidiárias |
33 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes – títulos a receber – Clientes – empresas associadas |
34 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes – títulos a receber – Clientes – empreendimentos conjuntos |
35 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Clientes – títulos a receber – Clientes – outras partes relacionadas |
36 | 219 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Outros Clientes |
Como podemos ver, as taxonomias 24 a 36 “obrigam” a subdividir a conta 219 – Clientes – Perdas por imparidade acumuladas, muito para além do que está previsto no código de contas publicado na Portaria n.º 218/2015, de 23 julho.
Verifica-se esta situação de forma recorrente ao longo da tabela de taxonomias e do plano de contas. Daqui resulta que fará sentido, logo a partir de 1 janeiro de 2017, trabalhar com um plano de contas mais extenso, com mais subdivisões, do que o que seria necessário em SNC.
Continuando a análise ao exemplo anterior, vamos ver como poderíamos classificar e fazer a correspondência das taxonomias para um plano de contas já existente:
Plano de Contas
Conta | Descrição | Taxonomy Code |
---|---|---|
219001 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Cliente A | |
219002 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Cliente B | |
219003 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Cliente C |
Partindo deste plano de contas já existente, a classificação já não será tão direta e simples, obrigando a uma análise qualitativa, quer dos saldos, quer das transações por parte do contabilista certificado, e em alguns casos poderá ser mesmo necessário subdividir contas a meio do exercício, levando a incongruências na estrutura dos planos de contas, como podemos ver com o saldo de imparidade do cliente “C” no exemplo abaixo:
Análise do cliente “A”: se o saldo em imparidade disser respeito a saldos de conta-corrente e o cliente “A” for um cliente geral, então a taxonomia a aplicar será a 24.
Análise do cliente “B”: se o saldo em imparidade disser respeito a saldos de conta-corrente e o cliente “B” for a empresa-mãe, então a taxonomia a aplicar será a 25.
Análise do cliente “C”: se o saldo em imparidade disser respeito a saldos de conta-corrente mas também a títulos a receber e o cliente “B” for um cliente geral, então aplicar-se-iam duas taxonomias e não apenas uma, o que não é possível.
Para uma correta utilização das taxonomias será inevitável criar uma nova conta para a perda por imparidade do cliente “C”, de forma a separar os saldos em imparidade de conta-corrente do saldo em imparidade de títulos a receber e atribuir assim as taxonomias 24 e 30 respetivamente.
O resultado final seria o seguinte:
Conta | Descrição | Taxonomy Code |
---|---|---|
219001 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Cliente A | 24 |
219002 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Cliente B | 25 |
219003 | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Cliente C – conta- -corrente | 24 |
219XXX | Clientes – Perdas por imparidade acumuladas – Cliente C – títulos a receber | 30 |
Conclui-se facilmente que, se iniciarmos os trabalhos a 1 janeiro de 2017 sem preparar o plano de acordo com as taxonomias exigidas, no momento de efetuarmos a relação entre o plano e as taxonomias, este trabalho será muito mais complexo e sujeito a erros. Erros nesta relação entre o plano de contas e as taxonomias poderão levar a reportes errados no preenchimento dos quadros da IES, que se prevê venham a ser total ou parcialmente automáticos.
Saldos contra natura e sua classificação nas rubricas de balanço
É possível existirem, em algumas contas, saldos contra natura, que correspondam a transações reais e não a eventuais erros de lançamento contabilístico. Nestes cenários, a rubrica do balanço na qual devem constar esses saldos será diferente, precisamente por o saldo se encontrar contra natura.
Pela análise das taxonomias disponibilizadas não se verifica a possibilidade de, num saldo específico, atribuirmos uma outra taxonomia que esteja prevista apenas para outra gama de contas. Também não está clarificado se essa análise de saldos contra natura e a sua correta afetação nas contas de balanço será feita de forma automática pela Autoridade Tributária na interpretação dos ficheiros SAF-T (PT).
Teremos de aguardar por esclarecimentos posteriores por parte da Autoridade Tributária para esta problemática. Fica apenas esta nota para que tenhamos atenção a este pormenor na construção automática dos balanços por parte da AT com base nos ficheiros SAF-T (PT).
TOConline e o exercício de 2017
O TOConline sugere aos contabilistas certificados a construção dos seus planos de contas com a utilização de variáveis, para subdividir as contas de forma automática. Desta forma, as variáveis permitem ao software “saber” qual a natureza da conta até ao último dígito da conta. Este conhecimento das naturezas das contas vai permitir atribuir a taxonomia a cada conta de forma automática.
Para as situações em que as taxonomias vieram a obrigar à subdivisão de contas para além do SNC, veremos no TOConline que, ao abrir um novo exercício para o ano de 2017, o plano já estará construído com todas as subdivisões com recurso às variáveis necessárias, tendo em alguns casos sido necessário proceder à criação de novas variáveis.O objetivo do TOConline é facilitar este trabalho de parametrização ao contabilista certificado, de forma a que ao abrir o exercício de 2017, com base no plano de contas sugerido pelo TOConline, já tenha todas as contas necessárias e respetivo relacionamento com as taxonomias, evitando a necessidade de análises ou correções de contas posteriormente.
Conclusão
Apesar de ainda não termos total visibilidade sobre qual será o alcance de todas estas alterações e existirem ainda algumas dúvidas sobre como se irá processar o preenchimento automático dos anexos da IES, conclui-se que esta Portaria é um importante passo na desmaterialização dos reportes fiscais e que poderá simplificar bastante o preenchimento da IES.
No entanto, é necessário que os contabilistas certificados acompanhem de perto este processo, bem como as explicações que venham a ser publicadas por parte da Autoridade Tributária relativamente ao preenchimento automático da IES e se mantenham atentos sobre como será efetuada a interpretação automática da informação por parte da Autoridade Tributária, apenas com base no envio do ficheiro SAF-T (PT).
No imediato, com a portaria publicada e a informação disponibilizada, podemo-nos preparar para estas alterações com um plano de contas devidamente adaptado a esta nova realidade a funcionar desde 1 janeiro de 2017.